Realidades empresariais - Uma história de Evolução na Europa e no Brasil | Parte 1
(Por Alexandre Inserra e Gustavo Cerbasi)
No início deste século, as demandas consultivas predominantes se davam pela busca de vantagens competitivas através da excelência operacional. Muitas iniciativas aconteciam, ainda, na mensuração e ajuste da performance corporativa. A busca por vantagens competitivas através da excelência nas operações foi marcada por transferência de expertise e de lições aprendidas entre diferentes setores. O setor automotivo serviu de motivação e inspiração para vários outros. Setores relevantes como fast-moving consumer goods, (food & beverage, cosmetics, pharmaceuticals), steel & mining e até o segmento de construção pesada se abasteceram de práticas e conhecimentos originários do setor automobilístico. Nos últimos anos, houve uma evolução claramente perceptível na natureza dos projetos contratados, buscando-se suporte para o top-management, no sentido de se redefinir a própria existência das Corporações.
Decisões make or buy para os diferentes produtos e serviços que compõem cadeias complexas de valores nem sempre são tomadas à luz do pragmatismo, sob a ótica do menor Total Cost of Ownership ou da maximização do Economic Value Added, e são, em parcela significativa dos casos observados, afetadas por fatores externos ao tema central, com tendências a influências políticas, de traumas pessoais ou de “business dogmas”, referindo-nos às práticas internas tão tradicionais que ninguém mais as ousa questionar.
Eram amplamente conhecidos, por exemplo, as decisões de alguns players do setor automobilístico, definindo que skin-parts (referência à pele, por serem peças externas e, portanto, expostas à percepção e avaliação humana) teriam sempre sua origem make (ou seja, seriam sempre estampadas pela própria montadora), para que houvesse garantia absoluta do padrão de produção e da aparência final daqueles elementos. A insistência nessa prática e na argumentação justificadora era resultado de um mix pouco saudável de “business dogmas”, escondendo fortes influências externas, como por exemplo, a necessidade da manutenção do nível de empregos diretos, em função de acordos sindicais.
Projetos com escopo no suporte profissional externo para tomada de decisões (decision-making initiatives) se justificam na busca dos top-floors por três ingredientes básicos, dos quais o ambiente interno pode ser carente: (1) conhecimento específico da área técnica onde a decisão deve ser tomada, proporcionando subsídios especiais para a tomada de decisão, (2) metodologia pragmática, cuja motivação é eliminar “ao máximo” as subjetividades nos processos decisórios, substituindo-as por doses de objetividade e (3) neutralidade racional e isenção emocional.
Em uma de nossas primeiras iniciativas, o cliente europeu da área de FMCG havia tomado uma decisão inédita quanto ao seu setup fabril, e resolveu transformar em buy uma linha de produção inteira de sabonetes, até então quase 100% make, associada à decisão motivadora de venda do ativo produtivo. No caso, uma fábrica inteira, que empregava 75% da população economicamente ativa da cidade onde produziam.
Logo nas primeiras conversas com o pessoal de vendas e marketing para apresentação e entendimento das exigências dos clientes externos (sem o que não seria possível iniciarmos o planejamento adequado da grande transformação da cadeia de valores), sentimos estranheza junto ao middle-management por termos utilizado analogias oriundas do setor automotivo, especificamente o termo “skin-parts”, (exatamente para que evitássemos os “business dogmas”).
Fomos logo advertidos: “produzir cosméticos para a pele humana não tem nada de parecido com produzir capôs de automóveis. Nós produzimos cremes que serão aplicados diretamente sobre as peles de nossos clientes. O automóvel não desfruta desta mesma intimidade”.
Nossa salvação? Veio do nosso mandatário, o VP de Operações, que fez questão de participar como sponsor das reuniões de kick-off daquela iniciativa: “os consultores foram contratados para trazerem práticas de supply-chain do setor automobilístico, que certamente farão sentido também em nossas cadeias de valores. Nós nunca vendemos uma fábrica de sabonetes antes, e não sabemos exatamente como seguir abastecendo o mercado com 20% de market-share, não sendo mais os donos da fábrica."
Poucos anos mais tarde, receberíamos no Brasil o nosso maior mandato em quase uma década: reescrever a cartilha operacional de um gigante brasileiro, multisetorial, com atividades industriais, de comércio e varejo, além de volumes significativos de negócios no setor de construção pesada. Tratava-se de redefinição processual, e por fim, de uma reorganização matricial completa, espalhada pelo Brasil, contando com um Central Operacional e de Engenharia, localizada em São Paulo.
Nossa missão: criar e implementar conceitos operacionais inéditos para o setor de construção (ambiente de produção sempre discreto, incomum e inóspito), com base nas melhores práticas de Engenharia, Planejamento e Qualidade, que deveriam ser inspiradas no setor... sim, automobilístico:
“Até que ponto nossos processos internos de E, P e Q podem ser comparados aos processos industriais automobilísticos? O que se faz por lá, que poderíamos fazer também por aqui? Faz sentido falarmos em Lean Construction?” Foram as perguntas centrais que definiram nossos deliverables para o engajamento, complementadas por:
“Dentre as disciplinas técnicas que implementamos atualmente, quais poderíamos passar a comprar no mercado, já que não poderemos permanecer competitivos em todas?”, acrescentou o Presidente Executivo, logo na reunião de briefing.
Não podemos dizer que os “ciclos operacionais” do suporte consultivo se encerraram por aí. Mas este foi o pico de sua relevância. O projeto em questão foi entregue com reconhecido sucesso de implementação, numa época em que as notícias sobre o referido setor já não eram, digamos, as mais exemplares.
De lá para cá, os automobilistas passaram a aprender com os produtores de tablets sobre como serão produzidos os automóveis e suas baterias, até que a Volkswagen anunciasse nesta semana o seu plano global para barateamento de baterias com foco produtivo na Europa, enquanto seus tradicionais fornecedores da idade da combustão interna buscam desesperadamente novas ocupações e nos perguntam make or buy sobre seus próprios destinos, especialmente quanto ao mercado brasileiro.
Pensar fora da caixa não é o desafio. Difícil é transformar o pensamento em ideia implementável com as devidas ponderações.
Realmente, o Brasil não é para amadores.
Mas, com o passar dos tempos, o aumento do profissionalismo tende a premiar quem o pratica.
Os coautores agradecem a sua atenção. Este é o artigo #6/21 e foi escrito originalmente em lingua portuguesa, e não há, por enquanto, versões em outros idiomas. Publicado de forma inédita em 19.03.2021. Por favor, deixe seu comentário abaixo. Se preferir, envie sua mensagem via e-mail diretamente para os coautores. Fique à vontade para compartilhar este artigo copiando este link. Todos os direitos reservados aos coautores e à PRIMORIUM.
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