Disruptura, disruptivo, transformação acelerada
(Por Alexandre Inserra e Gustavo Cerbasi)
As recentes mudanças comportamentais impostas sugerem a pontuação do tempo em "Antes do COVID19, (BC, “Before COVID19”)" e "Após Disruptura, (AD, “After Disruption”)", o velho e o novo "normais". Entretanto, transformações são muito dinâmicas para serem claramente pontuadas em milestones. As mudanças profundas no ambiente de negócios são processos continuados, não pontuais, muito menos isolados. Concretamente, as mudanças recentes já demonstravam sintomas bem antes de 2020; muitas foram aceleradas e não causadas pela pandemia. Gestores precisam compreender o processo de transformações pelo qual passa seu setor de atuação, sob pena de serem surpreendidos por elas. O surgimento de negócios disruptivos acontece muito rapidamente e pode tornar empresas e setores inteiros rapidamente obsoletos.
Não faz muito tempo, durante um encontro com amigos da faculdade, surgiu a indagação curiosa de um deles: “Eu estou trabalhando com call-centers já vai fazer 5 anos, e vocês? Tem gente aqui ainda trabalhando com consultoria?” A resposta, obvia e inevitável, em tom de piada, não precisou de mais de 10 segundos: “Você também virou telefonista?”
A empolgação do amigo narrador vinha do sucesso de longos e bem vividos anos concebendo, montando e entregando em contratos “turn-key” magníficos call-centers para diversos setores Brasil afora. Mas sua indagação, e não sua motivação na narrativa, é o que causou a grande provocação. Nos forçou a pensar, chegar a uma opinião defensável sobre a pergunta foco e, o mais difícil, nos manter convencidos da própria resposta. Tornou-se questão fundamental rebater aquela indagação: “Tem gente aqui que ainda trabalha com consultoria?” Éramos poucos os representantes desse setor de serviços, que tanto se transformou e que, mesmo assim, nos fez nos considerarmos, por alguns instantes, bastante paleolíticos: “como assim... quem ainda trabalha com consultoria?”
Também não faz muito tempo que a relevância dos telefonemas e dos “call-centers” era gigantesca em diversos setores: quem não se lembra do importante player do setor de Saúde no Brasil que, em seu icônico filme publicitário, fez rimarem o número do telefone com o nome da instituição, sugerindo ao potencial cliente que telefonasse para eles? A melodia é ótima. Novamente: empolgante, de forma que o potencial cliente do plano de Saúde se sentia, de fato, motivado a “passar impulsivamente a mão no telefone” para ligar e contratar um plano médico.
Por outro lado: “Aprenda a lógica do telefone que não toca: se algumas pizzarias resolvessem vender também serviços de consultoria para outras pizzarias, os telefones dessas pizzarias deixariam imediatamente de tocar. Telefones de consultorias simplesmente não tocam! O novo potencial cliente já deve ser bem atendido por outras consultorias, e não vai resolver trocar de consultoria, telefonando para o nosso escritório. Portanto, se te ligar, se o telefone tocar, não se trata de potencial cliente, tomará serviços de graça. Vai se abastecer, e nunca mais te ligará de novo. Aprenda a lógica do telefone que não toca: o telefone simplesmente não toca. Não deve tocar!”
O ensinamento acima é transmitido, de uma forma ou de outra, a todos os “young consultants” deste mundo, de um jeito mais ou menos estruturado. Fato é que consultores de gestão de negócios que conduzem a atividade de forma profissional, buscando excelência, inovação, melhoria contínua, sustentabilidade, ou seja, aqueles que fazem o que pregam e propagam, sabem que os telefones de consultorias não tocam.
Mas sabem, também, que o WhatsApp avisa quando a oportunidade de um bom Projeto aparece. Essa certeza advém de dois fatos relativos à comunicação usando o aplicativo: ele é tão instantâneo quanto se pode ser, mas, ao mesmo tempo, tão privativo quanto se imagina que se pode ser. O usuário pode até determinar se sinaliza, ou não, à outra parte conectada, se leu ou não a mensagem recebida. Aparentemente, portanto, foi atingido um nível ótimo entre privacidade idealizada e velocidade de conexão. Ou seja, cada um define o quanto e como quer se manter conectado. E o comportamento no uso da ferramenta é individualizado: cada um age e interage diferentemente com cada parceiro em sua respectiva rede de contatos.
São tempos muito novos, novamente normais, onde o ambiente de negócios toma a sua forma definitiva, já que negócios são transações entre pessoas, que necessariamente precisam gerar valor mutuamente, para que as transações se sustentem de forma próspera. Próspera no sentido intrínseco da própria lógica de manutenção da espécie, segundo a qual, as trocas são absolutamente necessárias e igualmente geradoras de progresso técnico e econômico, que se iniciou nas era das cavernas e que chegou à forma de Big Data.
O modelo de geração de valor transacional é muito simples e acontece sempre que um humano entrega algo ou presta um serviço a outro, recebendo em troca algo que lhe representa mais valor. Assim, ambos se sentem “better-off” assim que a transação é concluída.
Não foi a pandemia, apesar da necessidade óbvia de isolamento social, capaz de neutralizar as possibilidades de cooperação entre humanos. Muito menos, de neutralizar a respectiva demanda por essa mesma cooperação. E os meios de perpetuação de trocas de produtos, serviços e meios financeiros já vinham, há décadas, sendo canalizados por meios não necessariamente físicos, mas caminhando na direção das nuvens.
Faz muito tempo que a transformação começou. Ato contínuo. As transações humanas vêm se digitalizando faz algumas décadas, e isso é inerente à nossa demanda por cooperação e conectividade. A última é um enabler da primeira, e que permite, por sua vez, a propagação da existência. Mesmo que os normais precisem ser reajustados para isso. Está claro que isso tudo não foi desencadeado pela pandemia. Foi apenas acelerado por ela. Entender o tamanho dessa aceleração é tarefa básica de qualquer Gestor.
O ápice da conectividade tem oferecido oportunidades inéditas de ganhos de valor transacional. A partir do potencial oferecido pelas inovações digitais, negócios disruptivos surgem do dia para a noite e podem aniquilar empresas e até setores inteiros. O entendimento deste processo e de sua velocidade é o primeiro passo para que se possa, de forma planejada, desenvolver competências ainda não existentes, ajustar estratégias e seus processos de suporte e verificar expectativas com relação às possibilidades. Já faz tempo que oportunidades são pouco aproveitadas. Muitas vezes, planejamentos estratégicos são feitos supondo “linearidades imagináveis” e, quase sempre, as capacidades de adaptação das Organizações são pouco desenvolvidas. Reconhecer esses sintomas é o primeiro passo para se preparar para ambientes de negócios em acelerada transformação.
Os coautores agradecem a sua atenção. Este é o artigo #1/21 e foi escrito originalmente em lingua portuguesa, e não há, por enquanto, versões em outros idiomas. Publicado de forma inédita em 11.03.2021. Por favor, deixe seu comentário abaixo. Se preferir, envie sua mensagem via e-mail diretamente para os coautores. Fique à vontade para compartilhar este artigo copiando este link. Todos os direitos reservados aos coautores e à PRIMORIUM.
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