VUCA A.D. | Consequências para “Strategic Adaptive Managers”
(Por Alexandre Inserra e Gustavo Cerbasi)
Os primeiros dias de pandemia no ambiente de negócios foram amostras relevantes do que viria nos meses seguintes: se a disruptura foi dramática para a grande parte dos setores economicos, por ter afetado as cadeias produtivas tanto na ponta do abastecimento, como no lado da demanda, causando perdas importantes no consumo interno, ela trouxe também algumas oportunidades inéditas, (mas não compensatórias), de negócios para o setor industrial, exigindo que parte de nosso time fosse “transformado” para realizar atividades de Local Purchasing Team (LPT) para Clientes externos cujas cadeias de abastecimento haviam sido interrompidas desde suas bases na China. Houve uma expectativa de que a muito sofrida indústria de transformação brasileira pudesse se inserir como alternativa a estruturas já bem estabelecidas de base de fornecimento asiático, que tiveram seus pipelines interrompidos. Alguns Clientes estrangeiros nos encomendaram imediatas e inéditas atividades de Strategic Sourcing no Brasil, com a motivação de se abastecerem com componentes industriais exportados do país para integrarem sistemas mais complexos em cadeias produtivas envolvendo montagens finais na Alemanha, em outras partes da Europa e nos Estados Unidos. Esta experiência prática nos permitiu estruturar dez observações em torno das consequências para os profissionais engajados em Strategic Sourcing. O desafio que assumimos aqui é traçar paralelos úteis aos Strategic Adaptive Managers, revelados em diferentes geografias, setores e funções. As analogias práticas já percebidas são oportunidades pouco óbvias, nada desprezíveis, de grande valor aos gestores.
Iniciamos a publicação desta série de artigos em 11 de março, praticamente um ano após o início da pandemia, já pleiteando, logo no primeiro artigo, atenção para a “lógica do telefone que não toca”. Relato preciso sobre a realidade de quem “mudou de lado do balcão” e deixou de viver a realidade empresarial no papel do gestor e eventual cliente de consultorias, para passar a se engajar em projetos e participar de iniciativas empresariais como consultor: o telefone deixa de tocar! Os telefones das consultorias não tocam.
Bem, no dia 08 de março de 2020, ele tocou. E do outro lado da linha, um Executivo da cúpula de estratégia global em Procurement de um dos maiores grupos industriais europeus nos informava que viria ao Brasil para adequar sua matriz de dependência, e que precisava de suporte profissional para alternar seu abastecimento em metais e polímeros transformados, algo em torno de 100 milhões de Euros em produtos industriais, carentes de fornecedores, já que os asiáticos já não podiam mais garantir entregas em Hamburgo ou Roterdã.
O suporte dos consultores os permitiria fechar negócios presencialmente em São Paulo “num prazo de 72 horas”. Este primeiro caso foi sucedido de outros, e assim, montamos uma estrutura profissional de Procurement, utilizando-se das melhores práticas de Strategic Sourcing em pouco mais de 7 dias, para atender essa demanda industrial. O único que fez o nosso telefone tocar foi o primeiro desses Clientes.
Os demais já chegaram pelo “zap-zap”. As expectativas já ficavam claras, quando citavam os primeiros deals em polímeros de engenharia e em manufaturados de cobre, do mandato inicial. Nesta fase, observamos empresas europeias concorrentes se ajudando no abastecimento fabril.
A ideia de que o Brasil tinha capacidade industrial ociosa foi realmente disruptiva. O telefone tocou, e percebemos a realidade das diferenças de custos e da impossibilidade de confrontos diretos com os chineses.
Mas identificamos oportunidades locais reais de exportação, já que os Clientes estavam cientes e de acordo com overcosts, tomando-se a China como price-level.
As práticas em Strategic Sourcing ganharam enorme propagação nos mais diversos setores industriais no final da década de 90 e início dos anos 2000, depois das implementações bem sucedidas dos conceitos de Global Sourcing, protagonizadas por José Ignacio López de Arriortúa – considerado por muitos como um dos “grandes gurus do século XX” – que foi igualmente protagonista da grande disputa jurídica internacional entre General Motors e Volkswagen, quando de sua transferência de Detroit para Wolfsburg.
Esse foi um período marcado por grande disruptura no mercado global de fornecimento industrial, tendo o setor automobilístico posição central nas transformações de práticas e métodos, com saltos gigantescos de produtividade. Foi nessa fase que se criou o perfil ideal do Strategic Buyer, (ou Strategic Sourcer), com formação técnica, preferencialmente em Engenharia, conhecedor de métodos de fabricação, distribuição e de análises de custos, acostumado com conceitos de produtividade e demonstrada capacidade analítica, além de facilidade para negociação em idiomas estrangeiros.
Analogamente está clara a atual alta demanda por Strategic Adaptive Managers, marcados por destacadas capacidades de entregas, apesar de volatility, uncertainty, complexity and ambiguity (VUCA), justamente oferecidas por facilidades de percepção e adaptação estratégica aos ambientes de competição e sobrevivência empresariais.
Buscamos, portanto, paralelos entre as principais consequências práticas deste período After Disruption para Strategic Sourcers e Strategic Adaptive Managers, já resumidas em inglês na figura acima, com base no que observamos nas práticas junto aos nosso Clientes, desde que o telefone tocou em março de 2020:
1) Não haverá zonas de conforto – tanto as relações de suprimentos e abastecimento, como nos posicionamentos de mercado, mesmo que dotados momentaneamente de alta participação de mercado e capacidade de geração de receita. A busca por zonas de conforto é "repousar onde caçam os leões";
2) Qualquer tipo de economia ou racionalização de custos, realizada por qualquer área ou função (tanto faz), tem um impacto direto no P&L da empresa. Aumentos de receita não são tão diretos, já que há custos associados à geração da receita, começando pelos próprios impostos e tributos diretos. Daí deriva a urgência de que tanto compradores, como outros gestores, tenham igualmente foco na racionalização de custos;
3) Não se podem desprezar os custos, (quebra de receita e de oportunidade), causados por desabastecimentos de unidades produtivas com demandas firmes e capacidade de geração de receitas. A mitigação desses riscos é de ampla responsabilidade e deve ser pensada por todos os gestores com foco em resultados;
4) A flexibilidade exigida das unidades organizacionais e produtivas não pode estar associada a riscos inerentes aos processos por elas executadas. Matrizes e métodos de gestão de riscos utilizados em “BC” continuam eficientes em “AD”, principalmente se a coleta e a análise de dados reais fizer parte de rotinas de retroalimentação;
5) Strategic Adaptive Managers responsáveis por metas mercadológicas, como indicadores de marketing, ampliam seu foco para além das categorias e produtos que gerenciam, evitando que deixem de existir junto com o próprio setor onde competem;
6) Se não há mais condições de se estabelecerem zonas de conforto em qualquer setor econômico, muitas relações clientes-fornecedores consideradas estratégicas deixaram (há muito) de serem realmente estratégicas, ao passo em que parcerias por competências ganham muito relevância;
7) A gestão acomodada de relações de fornecimento com base em monopólios (single-sourcing) é tipicamente mais custosa do que os esforços e empenhos para desenvolvimento de alternativas. A analogia desse conceito para o lado da geração de receitas é imediata e ficou claramente demonstrada quando do fechamento de inúmeras organizações empresariais cuja capacidade de geração de receita dependia de gargalos, para os quais nunca foram concebidas alternativas; quais são os seus gargalos na geração de receita?
8) O domínio exclusivo de conhecimentos técnicos e de outras formas de reserva de mercado tendem a caducar mais rápido do que se percebe, quando se trata de proporcionar garantias e proteger vantagens comerciais. Strategic Adaptive Managers tem essa percepção aguçada e atuam buscando a diversificação de vantagens competitivas;
9) Strategic Adaptive Managers incentivam a curiosidade e o questionamento interessado. Os princípios e a promoção da inovação estão em linha com a noção de que as zonas de conforto precisam ser evitadas.
10) O custo de capital financiador das organizações empresariais produtivas ainda torna inviável o acesso ao crédito para parcela muito significativa das organizações empresariais. Modelos alternativos estão em desenvolvimento e onde há tantas dificuldades, há também oportunidades não ainda concebidas.
Os coautores agradecem a sua atenção. Este é o artigo #5/21 e foi escrito originalmente em lingua portuguesa, e não há, por enquanto, versões em outros idiomas. Publicado de forma inédita em 17.03.2021. Por favor, deixe seu comentário abaixo. Se preferir, envie sua mensagem via e-mail diretamente para os coautores. Fique à vontade para compartilhar este artigo copiando este link. Todos os direitos reservados aos coautores e à PRIMORIUM.
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